É notável que, o andar da carruagem do direito já não é mais tão compassado como nos tempos do velho Cicero em Roma. Hoje não se discute mais em ambientes públicos filosofia, doutrina, verdadeiros ideais políticos, ao contrário, vemos e somos obrigados a aceitar formas que buscam a verdadeira legitimação da estapafúrdia corrupção sócio-estatal. Caracterizando tal situação podemos destacar a inconsistente ação da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) perante o Supremo Tribunal Federal (STF), contestando a resolução 135 do Conselho Nacional de Justiça(CNJ), resolução esta, que aborda os procedimentos investigatórios aplicados à juízes suspeitos de prática de atos ilícitos.
O CNJ é um órgão, criado em 2004 pela Emenda Constitucional (EC) nº45, Emenda da Reforma do Judiciário, integrante deste poder, esse busca a melhor organização administrativa e financeira de tal. É composto em sua grande parte por membros do próprio poder judiciário, e quando não, esses estão ligados a ele, direta ou indiretamente, como é o caso dos membros da Ordem dos Advogados do Brasil, membros dos Ministérios Públicos, e cidadãos em geral.
Não basta muita exposição, é perceptível que o CNJ não fere a tripartição e a independência dos Poderes Público prevista no art. 2º da Constituição Federal (CF) de 88, visto que ele não é um quarto poder, mas sim, um parceiro do judiciário, prestando a este supervisão administrativa e financeira. Ou seja, não fica ao CNJ atribuída função jurisdicional, pensamento exposto pelo STF na ADI 3.367, esta exclusiva do Poder Judiciário. Vale salientar, como nos mostra Fábio Konder Comparato, a independência funcional da magistratura, assim entendida, é uma garantia institucional do regime democrático. Assim, busca-se com o CNJ, não a deturpação do Poder Judiciário, mas sim, a eficiência e a moralidade desse poder, princípios a serem seguidos por quaisquer dos poderes estatais, como bem nos mostra o art. 37 da nossa Carta de 88.
Na ação proposta pela AMB, há a busca por um CNJ revisor e não um órgão punitivo. Ora, isso é redundante, o próprio STF, no voto do Ministro-relator da primeira tentativa da AMB em ter o CNJ como inconstitucional, o Ministro Carlos Britto mostrou que o CNJ buscará, nada mais do que, o cumprimento dos deveres dos magistrados, através da fiscalização administrativa e financeira. Ainda mais, o Excelentíssimo Ministro, e principal mentor do Conselho, Gilmar Mendes, se manifestou no entendimento de que, o Conselho não é um órgão repressor, mas sim um órgão coordenador, diferenciado por seu excelente planejamento estratégico global de acompanhamento de desempenho.
O CNJ não é mais uma obra pátria da astúcia dos poderes estatais brasileiros. Órgãos como este existem nos mais variados poderes judiciários do mundo, como exemplo: França, Portugal, Espanha, Itália. No entanto, novamente, vem à tona no pretório excelso, a busca pela AMB em ver limitações e restrições ao seu pupilo. Será que o CNJ está fazendo mais do que a AMB queria, e assim, a está incomodando? Não sabemos. O que realmente sabemos é que: a agilidade e o progresso do judiciário brasileiro, nos sete anos de existência do CNJ, alavancou em mais de 4.000%, segundo dados do CNJ; este Conselho, em sua resolução nº07 de 2005, implantou o combate ao nepotismo no judiciário; criou as Ouvidorias de Justiça em todo país, buscando receber denúncias, críticas e sugestões sobre a atuação do judiciário; elaborou o movimento do mutirão carcerário nas varas de execuções penais em nível nacional, objetivando a efetivação da justiça restaurativa, e assim, a concretização do objetivo do sistema penal.
Pensamos que seja no mínimo incoerente tal ação por parte da AMB. Vejamos, o Estado passa por um momento de reestruturação, a sociedade brasileira, mesmo que a passos lentos, está se desenvolvendo. Não vivemos mais em um Estado Liberal, Social, ou Liberal-Social, vivenciamos a era do Estado do Conforto Social. Nessa, quase tudo é permitido, é permitido cair nos devaneios do álcool durante toda noite, e na volta para casa, dirigindo, matar alguém e ter sua pena cumprida com uma prestação pecuniária, é permitido um senador ser condenado em 1ª instância a 31 anos de prisão, por ter desviado mais de 169 milhões de reais do erário, mas aguardar seu julgamento no STF em liberdade indo a festas da corte com o ministro relator do seu próprio processo, é permitido um ministro, da 2º mais alta corte jurisdicional do país, o Superior Tribunal de Justiça, arquivar um processo por “ilicitude de provas” e depois ir a uma feijoada com a família do próprio réu do processo, e com os advogados deste, é permitido, mais ainda, grande parte dessas saudosas pessoas se encontrarem em um casamento do filho de um Ex-Ministro do STF e atual Chefe da Comissão de Ética Pública da Presidência, e os honrosos ministros irem para a festa de jatinhos fretados pelos advogados e réus, em suas mais límpidas manifestações de benevolências, e no final dessa festa, para reluzir a alegria do povo brasileiro, serem servidos frascos de Lança Perfume a todos os presentes. Maravilhoso, isso é Brasil!
Diante de tais transformações, avanços e fatos, o que deve haver não é a extinção ou restrição do CNJ. Deve sim esse conselho continuar a existir, para que, mesmo que minimamente, haja uma melhor organização judiciária brasileira. Por fim, invés de extinção ou restrição, o que deve acontecer é uma reconstrução moral-administrativa, sendo esta vista e encorajada no CNJ, pois, como declama Augusto dos Anjos, ruge nos meus centros cerebrais, a multidão dos séculos futuros. E neste caso, não é só a multidão, mas sim a estabilidade e o futuro do nosso país, visto que, se pudéssemos escolher dentre os três poderes, aquele mais correto e efetivo, sem dúvida alguma, este seria o poder judiciário.