segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Le Cirque Réinventé

            É notável que, o andar da carruagem do direito já não é mais tão compassado como nos tempos do velho Cicero em Roma. Hoje não se discute mais em ambientes públicos filosofia, doutrina, verdadeiros ideais políticos, ao contrário, vemos e somos obrigados a aceitar formas que buscam a verdadeira legitimação da estapafúrdia corrupção sócio-estatal. Caracterizando tal situação podemos destacar a inconsistente ação da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) perante o Supremo Tribunal Federal (STF), contestando a resolução 135 do Conselho Nacional de Justiça(CNJ), resolução esta, que aborda os procedimentos investigatórios aplicados à juízes suspeitos de prática de atos ilícitos.
            O CNJ é um órgão, criado em 2004 pela Emenda Constitucional (EC) nº45, Emenda da Reforma do Judiciário, integrante deste poder, esse busca a melhor organização administrativa e financeira de tal. É composto em sua grande parte por membros do próprio poder judiciário, e quando não, esses estão ligados a ele, direta ou indiretamente, como é o caso dos membros da Ordem dos Advogados do Brasil, membros dos Ministérios Públicos, e cidadãos em geral.
              Não basta muita exposição, é perceptível que o CNJ não fere a tripartição e a independência dos Poderes Público prevista no art. 2º da Constituição Federal (CF) de 88, visto que ele não é um quarto poder, mas sim, um parceiro do judiciário, prestando a este supervisão administrativa e financeira. Ou seja, não fica ao CNJ atribuída função jurisdicional, pensamento exposto pelo STF na ADI 3.367, esta exclusiva do Poder Judiciário. Vale salientar, como nos mostra Fábio Konder Comparato, a independência funcional da magistratura, assim entendida, é uma garantia institucional do regime democrático. Assim, busca-se com o CNJ, não a deturpação do Poder Judiciário, mas sim, a eficiência e a moralidade desse poder, princípios a serem seguidos por quaisquer dos poderes estatais, como bem nos mostra o art. 37 da nossa Carta de 88.
            Na ação proposta pela AMB, há a busca por um CNJ revisor e não um órgão punitivo. Ora, isso é redundante, o próprio STF, no voto do Ministro-relator da primeira tentativa da AMB em ter o CNJ como inconstitucional, o Ministro Carlos Britto mostrou que o CNJ buscará, nada mais do que, o cumprimento dos deveres dos magistrados, através da fiscalização administrativa e financeira. Ainda mais, o Excelentíssimo Ministro, e principal mentor do Conselho, Gilmar Mendes, se manifestou no entendimento de que, o Conselho não é um órgão repressor, mas sim um órgão coordenador, diferenciado por seu excelente planejamento estratégico global de acompanhamento de desempenho.
O CNJ não é mais uma obra pátria da astúcia dos poderes estatais brasileiros. Órgãos como este existem nos mais variados poderes judiciários do mundo, como exemplo: França, Portugal, Espanha, Itália. No entanto, novamente, vem à tona no pretório excelso, a busca pela AMB em ver limitações e restrições ao seu pupilo. Será que o CNJ está fazendo mais do que a AMB queria, e assim, a está incomodando? Não sabemos. O que realmente sabemos é que: a agilidade e o progresso do judiciário brasileiro, nos sete anos de existência do CNJ, alavancou em mais de 4.000%, segundo dados do CNJ; este Conselho, em sua resolução nº07 de 2005, implantou o combate ao nepotismo no judiciário; criou as Ouvidorias de Justiça em todo país, buscando receber denúncias, críticas e sugestões sobre a atuação do judiciário; elaborou o movimento do mutirão carcerário nas varas de execuções penais em nível nacional, objetivando a efetivação da justiça restaurativa, e assim, a concretização do objetivo do sistema penal.
Pensamos que seja no mínimo incoerente tal ação por parte da AMB. Vejamos, o Estado passa por um momento de reestruturação, a sociedade brasileira, mesmo que a passos lentos, está se desenvolvendo. Não vivemos mais em um Estado Liberal, Social, ou Liberal-Social, vivenciamos a era do Estado do Conforto Social. Nessa, quase tudo é permitido, é permitido cair nos devaneios do álcool durante toda noite, e na volta para casa, dirigindo, matar alguém e ter sua pena cumprida com uma prestação pecuniária, é permitido um senador ser condenado em 1ª instância a 31 anos de prisão, por ter desviado mais de 169 milhões de reais do erário, mas aguardar seu julgamento no STF em liberdade indo a festas da corte com o ministro relator do seu próprio processo, é permitido um ministro, da 2º mais alta corte jurisdicional do país, o Superior Tribunal de Justiça, arquivar um processo por “ilicitude de provas” e depois ir a uma feijoada com a família do próprio réu do processo, e com os advogados deste, é permitido, mais ainda, grande parte dessas saudosas pessoas se encontrarem em um casamento do filho de um Ex-Ministro do STF e atual Chefe da Comissão de Ética Pública da Presidência, e os honrosos ministros irem para a festa de jatinhos fretados pelos advogados e réus, em suas mais límpidas manifestações de benevolências, e no final dessa festa, para reluzir a alegria do povo brasileiro, serem servidos frascos de Lança Perfume a todos os presentes. Maravilhoso, isso é Brasil!
Diante de tais transformações, avanços e fatos, o que deve haver não é a extinção ou restrição do CNJ. Deve sim esse conselho continuar a existir, para que, mesmo que minimamente, haja uma melhor organização judiciária brasileira. Por fim, invés de extinção ou restrição, o que deve acontecer é uma reconstrução moral-administrativa, sendo esta vista e encorajada no CNJ, pois, como declama Augusto dos Anjos, ruge nos meus centros cerebrais, a multidão dos séculos futuros. E neste caso, não é só a multidão, mas sim a estabilidade e o futuro do nosso país, visto que, se pudéssemos escolher dentre os três poderes, aquele mais correto e efetivo, sem dúvida alguma, este seria o poder judiciário.  

sexta-feira, 13 de maio de 2011

A Sociedade Evolui, as Relações Evoluem, o Direito também Evolui !

          Deus criou o homem e a mulher para perpetuarem a espécie. Ora, mas, onde está Deus em nosso ordenamento jurídico? A resposta pode ser até audaciosa, mas Deus se encontra em uma “terra de ninguém”, local este ilustrado na figura do preâmbulo da nossa Constituição Cidadã. Convalido com Hans Kelsen, o entendimento de que o preâmbulo não passa de uma introdução solene que alberga ideais políticos, morais e religiosos, vindo a serem posteriormente desenvolvido na Constituição, ressalto que, o desenvolvimento a respeito da religião na nossa Carta, não passa de uma mera ilustração liberal e igualitária a quaisquer religiões, visto isso na parte dos direitos fundamentais, no inciso VI do art. 5º da referida carta. Percebe-se assim que, o preâmbulo remonta sua pujança aos anseio políticos e sociais, como ressalta Pontes de Miranda, fica o preâmbulo menos palpável ao âmbito jurídico.
            Estamos no Brasil onde tudo pode acontecer, onde dólares podem surgir nas cuecas, onde um filho pobre nordestino pode se tornar presidente da república, agora, aceitar uma argumentação pautada em Deus, na mais alta instância do Poder Judiciário do Estado, é algo completamente inconcebível, penso eu que isso seria uma vasta aplicação dos ideais retóricos de Perelman. A era do lobby religioso, principalmente da Igreja Católica, já passou, vivemos agora no mundo das pluralidades e das relatividades, ora Einstein demonstrou que até a física é relativa. Entretanto, ainda hoje em nossa sociedade existem verdadeiras “múmias” estagnadas no tempo, com seus cérebros talvez perdurados à formol, que não percebem isso, vejamos e tomemos por ponto referencial, a partir de agora, no presente texto, a ADI 4.277, de relatoria do Ministro Carlos Ayres Britto, julgada procedente no dia 05/05/2011.
            Tal Ação Direta de Inconstitucionalidade tinha como tema geral a regulamentação de casais do mesmo sexo, no que diz respeito aos privilégios da união estável, vindo a ser entendida como entidade familiar, alçando a inconstitucionalidade no art. 1.723 da Lei 10.406, de 10.01.2002, Código Civil Brasileiro.
             O referido artigo traz a seguinte redação:
Art.1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública,
contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de
constituição de família.

            Valendo ainda a ilustração do ss3º do art. 226 da nossa Constituição Federal de 1988, temos que, para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
           Atrelando uma interpretação restritiva ao assunto, seria impossível o reconhecimento da união estável à casais homoafetivos. Data Venia, a sociedade se organiza e se desenvolve na sua completude, divergindo então à passos largos do que ante propusera seu legislador nas suas regras. Estas ficarão vacantes na sociedade, e é nesse contexto, que Ronald Dworkin, se valendo da ideia do pós-positivismo, nos mostra que deverá se valer dos princípios, também elaborados pelo legislador, como formas interpretativas e decisórias sobre o problema vacante, pois os mesmos possuem uma estrutura axiológica que encoraja um grau de ponderação e de generalidade, se comparados com as regras, as quais terão uma aplicação lógico-formal, a subsunção. Observa-se assim, que não podemos tratar o direito como é, mas como deve ser.
           Será que a organização e a axiologia social de 1988 e de 2002 são as mesmas hoje? É óbvio que não, e não é só porque o Brasil conquistou o penta ou porque uma figura feminina tomou a frente do Executivo Federal. Na Antiga Grécia, Heráclito já enunciava que ninguém se banha duas vezes no mesmo rio. Fica então, a interpretação jurídica a mercê da contextualidade do prisma histórico-social. Assim a homoafetividade deve ser encara por nós como mais um dos elementos comuns da sociedade e não como algo pejorativo ou criminoso, visto que, se quer tipificação penal temos para tal caso.
        Vendo as alterações sociais e a vacância das referidas regras normativas, emerge ao caso, a figura dos princípios, visto que, assim como trata J.J. Gomes Canotilho, o ordenamento jurídico, configurado na Constituição, é um sistema aberto para regras e princípios.
      Vivemos em um Estado Republicano que tem dentre outros princípios para sua legitimação a dignidade humana (CF, art.1, III) e a igualdade(art.5º, caput.).
         Trato o primeiro como sendo um dos mais notáveis reflexos dos direitos da terceira geração, direitos a fraternidade. Essa dignidade, ponto de grande discussão doutrinária, devido a sua ampla subjetividade, compreendo ser, os pressupostos formais e materiais perante a sociedade como ao direito para a prosperidade e o desenvolvimento psíquico social de cada humano. Ora, atentando para tal definição, vemos que os casais homoafetivos, observando o ente família, possuem direitos subjetivos para a legitimação da prosperidade e do desenvolvimento daquele ente, ficando esse violados por uma restrição interpretativa, e foi nesse entendimento que o pretório excelso deu provimento a ADI 4.277.
        Agora atentamos a igualdade, principio que teve forte desenvolvimento desde a Revolução Francesa do séc. XVIII. Mesmo que a igualdade seja tratada, se valendo de Rousseau, como uma quimera especulativa, ela através da proporcionalidade e da ponderação deverá tratar desigualmente os desiguais e igualmente os iguais. Observando o caput do art. 5º da Constituição Federal, vemos explicitamente que seu texto aborda a expressão “Todos são iguais perante a lei..”, destarte, a opção sexual não deverá ser levada em conta ao tratamento da lei, porém na maioria da vezes isso não acontece, havendo com isso um preconceito às pessoas com orientação homossexual, ficando essas às margens da lei.
            Sem mais delongas, não devemos levar em conta uma vacância legislativa, mas sim o desenvolvimento da sociedade, e não o seu preconceito, destarte, como enfatizou o Ministro Ayres Britto, a base de uma sociedade desde os primórdios, é a família. E não é só porque determinadas pessoas tenham orientação sexual diferente da maioria que elas serão impossibilitadas de promover o desenvolvimento de suas famílias. E foi esse o entendimento seguido pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 4.277, reconhecendo, assim como ponderou o Ministro Ricardo Lewandowski, a união homoafetiva como entidade familiar aplica-se a ela as regras do instituto que lhe é mais próximo, ou seja, a união estável, dentre essas regras e direitos tomemos como exemplo: comunhão de bens, direito a herança, adoção, licença gala, pensão alimentícia, dentre outros direito albergados em nosso ordenamento jurídico.